Assim andam os membros da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, colocando pedras e pedregulhos no caminho dos times da categoria profissional do estado.

“Coloca a mão no peito, você sente seu coração?” “Sim” respondi. “Agora coloca a mão na cabeça, você sente seu cérebro?”, “Claro que não!”. “Torcedor é assim. Só sente o coração, é movido pela emoção, pela paixão. Não liga pra razão”. Foi com esse simples experimento que pude entender a situação do futebol de Mato Grosso do Sul.

Paixão. É isso que faz o futebol continuar aos trancos e barrancos aqui no nosso estado. Paixão dos torcedores, paixão dos jogadores, mas mais ainda paixão dos dirigentes. Uma batalha de Davi e Golias. Uma partida entre Internazionale de Milão versus Íbis. Uma disputa desleal, injusta e totalmente desnecessária. Esses são os parâmetros para classificar a luta diária dos clubes de futebol profissionais contra a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS).

Um órgão que deveria servir como alicerce para uma melhor estruturação e organização do futebol vem sendo minado pro bombásticas denúncias. Desde favorecimento de clubes por mudança do mando de campo, até alterações no regulamento de campeonatos após passadas as fases classificatórias.

Um dos dirigentes que caçam e matam um leão por dia é Antônio Vieira da Cunha, 40. Ele é o atual presidente do Operário Futebol Clube e me apresentou algumas das dificuldades vividas por quem tem que lutar contra a Federação pra manter seu clube regular.

“Sou presidente mesmo desde 2006, quando assumi o Operário Futebol Clube. Mas participo da diretoria desde 2002”. “Eu peguei esse clube lotado de dívidas, totalmente irregular, tanto no cartório, pois não havia atas de eleições presidenciais anteriores, como futebolisticamente. Quando eu assumi, o CNPJ do Operário Futebol Clube era o mesmo do Operário Futebol Clube S/A, então todos os gastos vinham em um só nome, além de conta bancária trancada e salários atrasados. A diretoria teve que tirar quase 10 mil do próprio bolso para regularizar. Além disso, havia vários jogadores sem cadastro na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Portanto eles não poderiam jogar nenhum campeonato profissional”.

Esse cadastramento fica a cargo da diretoria, porém a fiscalização dos jogadores inscritos em campeonatos é responsabilidade da FFMS. Registros mostram que quase todos os clubes que participaram do Campeonato Estadual da Série A ou da Série B jogaram com atletas não cadastrados. “Aqui estão printadas as páginas do site da CBF, na súmula de cada partida são inscritos 18 jogadores e para o campeonato são precisos três goleiros. Então na soma final cada time deveria ter no mínimo 23 jogadores regulamentados. Agora olha aqui, três jogadores profissionais inscritos. E nesse time aqui, nenhum jogador inscrito. Eu não sei como a Federação não enxerga esse erro”. E isso é só a ponta do iceberg.

De acordo com Antônio há clubes que não estão nem regularmente inscritos na CBF. “Para uma equipe ser considerada como clube de futebol são precisos alguns cargos e departamentos como de Diretor Executivo, Conselhos Fiscais e Deliberativos e Departamentos de Futebol Profissional e de Futebol Amador. Vários clubes encontram-se na irregularidade por não terem tais divisões, muitos por falta de comprometimento da Federação. Isso porque só no nosso estado é que a Federação cobra um preço abusivo de anuidade, maior que o da CBF”.

A taxa de anuidade da FFMS é a mais cara do Brasil e gira em torno de R$ 2400, enquanto a da CBF é de R$ 1250 apenas. E essa não é a única diferença de taxa. Para cadastrar um jogador como profissional na FFMS é pedido um valor de R$ 1000, já no eixo Rio-São Paulo é pedido no máximo R$ 250. E para jogadores amadores a FFMS pede R$ 300, e na Federação de Futebol de São Paulo pede-se R$ 60. “É uma diferença muito grande, e lá no Brasil (como Antônio chama o eixo Rio-São Paulo) as Federações organizam vários campeonatos, tanto nas categorias de base como nas Masters”.

Antonio também questiona uma posição adotada pela Federação daqui, no tocante ao calendário esportivo. “Simplesmente não existe. Como eu posso arrumar patrocinadores se a marca dele não aparecerá? Essa situação complica todo o processo de lapidação de um jogador. Você, por exemplo, não vai direto pra faculdade. Passa pelo jardim de infância, depois pro ensino fundamental, médio e só depois faculdade. A mesma coisa acontece no futebol, temos que ter as categorias sub-12, sub-14, sub-16 e sub-18 pra somente depois colocar no profissional. Se eu não consigo nem investimentos para os profissionais, como que os guris vão jogar?”

Essa taxa de anuidade que é paga a FFMS deveria ser aplicada nos campeonatos, tanto em materiais como em arbitragem e transporte, mas segundo Antonio na maioria das vezes o dinheiro sai do bolso de dirigentes e de doações. “E esse esquema de não ter calendário afeta todos que estão relacionados ao clube. Afeta os jogadores, pois eles não sabem com antecedência quando irão jogar, ou mesmo se irão jogar. Afeta os dirigentes, pois o sistema que usamos atualmente é a famosa vaquinha. Eu mesmo já vendi imóveis e carro para deixar as folhas de pagamento em dia. E afeta a torcida pois não é possível criar o modelo sócio-torcedor porque não há jogos além daqueles do Estadual. Não há uma demanda esportiva”

Há também uma forte crítica a algumas decisões que o presidente considera arbitrárias. Como no caso dos Campeonatos Estaduais de 2007, 2008 e 2009. “Algo muito estranho aconteceu no final de 2007. Dois times (Paranaíba e Chapadão) relataram a FFMS que não teriam condições de jogar o Estadual Série A de 2008. Por isso os dois times que ficaram em último em 2007 e jogariam pela a Série B em 2008 (Pantanal e Maracaju) permaneceriam na elite, mantendo o mesmo número de equipes. Em 2009, outros dois times (Coxim e Nova Andradina) desistiram de disputar o Estadual Série A 2010, se a FFMS utilizasse o mesmo critério que em anos anteriores o Operário e Maracaju, então últimos colocados em 2009, não cairiam e jogariam novamente a Série A em 2010. Porém, a Federação mudou de idéia e resolveu subir além dos dois primeiros (Chapadão e Mundo Novo) que tradicionalmente garantem as vagas, mais dois times (MS Saad e Guaicurus), dando acesso à quatro times”

E o dirigente ainda afirma ser alvo de perseguição pela resistência oferecida contra o posicionamento da Federação. “O Operário vem sendo prejudicado faz tempo, não só nas decisões de árbitros e auxiliares, mas também na burocracia que a FFMS impõe. Porque o Operário tem que pagar R$ 1500 para jogar no Morenão, enquanto outros times pagam R$ 200 ou R$ 400? Meus jogadores pisam mais forte? Minha torcida treme mais o estádio? Eu simplesmente não entendo”.

Quando perguntado sobre a polêmica decisão judicial da transferência do nome Operário Futebol Clube para o ex-zagueiro do clube, Celso Zottino, ele rebate. “No dia 03 de novembro eu recebi uma carta diretamente do Palácio da Alvorada endereçada ao Operário. Se de Brasília me acharam, porque é tão difícil o advogado e ele virem aqui conversar comigo?”

“Eu confio na instituição da Federação pela tradição e pelo nome que ela carrega, mas pra mim só quando essa diretoria sair é que poderemos ter um futebol de qualidade, como antigamente aqui nesse estado”.

João Conrado Kneipp

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